Moção de Repúdio
Autor: Vereador ‘João da Luz’
“MANIFESTO DE REPÚDIO E INDIGNAÇÃO a ser encaminhada ao STF, na pessoa do relator Ministro Luiz Fux, face a decisão pelo pleno do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade Nª 5941 determinando que inadimplentes/devedores tenham sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e passaporte apreendidos, suspendendo o direito de dirigir e proibindo a participação em concurso e licitação pública.”
O vereador ‘João da Luz’ – PSC no uso das atribuições que lhe confere o Regimento Interno desta Casa de Leis submete à apreciação do Plenário a seguinte Moção de Repúdio em INDIGNAÇÃO face a decisão pelo pleno do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade Nª 5941 determinando medidas coercitivas necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, como a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e de passaporte, a suspensão do direito de dirigir e a proibição de participação em concurso e licitação pública, pelas razões a serem expostas nas justificativas.
Anápolis, 08 de março de 2023.
JOÃO DA LUZ
Vereador – PSC
JUSTIFICATIVA
Ilustre Vereadores desta Colenda Casa de Leis.
Este vereador, vem a público expressar seu repúdio e INDIGNAÇÃO face a decisão pelo pleno do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade Nª 5941 determinando medidas coercitivas necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, como a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e de passaporte, a suspensão do direito de dirigir e a proibição de participação em concurso e licitação pública.
Toda CELEUMA, gira entorno do entendimento, DATA VÊNIA, equivocado do Plenário do STF, dado ao artigo 139, inciso IV da Lei 13.105/15 (Código de Processo Civil ou CPC/15).
O aludido artigo 139, inciso IV, a propósito, está localizado no Título IV, Capítulo I, da Parte Geral do CPC/2015, e consagra poder-dever do juiz destinado a instrumentalizar o cumprimento de decisões judiciais. Eis, aliás, o teor da norma:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo- lhe: (…)
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
Prima facie, é importante rememorar que quando o CPC/15 era apenas um Anteprojeto de Lei, denominado PLS 166/2010, ACOLHIDO, pela casa revisora, CÂMARA DOS DEPUTADOS, como PL 8.046/2010, o então Deputado Federal Sérgio Barradas Carneiro Primeiro Revisor do projeto, emitiu parecer sobre o referido artigo, a fim de reajustar o texto do referido artigo para evitar arbitrariedades do poder-dever do Magistrado.
Pois bem. Feitos esses relevantes registros iniciais, que fornecem um genoma legislativo da norma impugnada, está a merecer destaque, ainda em caráter preambular, que o Autor não olvida que a norma inserta no artigo 139, inciso IV, nasceu sob o signo da efetividade, na esteira de propósito combativo constante de alerta feito na exposição de motivos do então anteprojeto do código processual civil:
Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito. Sendo ineficiente o sistema processual, todo o ordenamento jurídico passa a carecer de real efetividade. De fato, as normas de direito material se transformam em pura ilusão, sem a garantia de sua correlata realização, no mundo empírico, por meio do processo.
Se o que dito acima é correto, não é menos verdadeiro afirmar que a efetividade almejada pelo atual Código de Processo Civil, nada obstante, deve imperiosa observância aos ditames constitucionais, como, aliás, também se fez constar daquela mesma exposição de motivos:
A necessidade de que fique evidente a harmonia da lei ordinária em relação à Constituição Federal da República fez com que se incluíssem no Código, expressamente, princípios constitucionais, na sua versão processual. Por outro lado, muitas regras foram concebidas, dando concreção a princípios constitucionais, como, por exemplo, as que preveem um procedimento, com contraditório e produção de provas, prévio à decisão que desconsidera da pessoa jurídica, em sua versão tradicional, ou “às avessas”. (…) Hoje, costuma-se dizer que o processo civil constitucionalizou-se. Fala-se em modelo constitucional do processo, expressão inspirada na obra de Italo Andolina e Giuseppe Vignera, Il modello costituzionale del processo civile italiano: corso di lezioni (Turim, Giapicchelli, 1990). O processo há de ser examinado, estudado e compreendido à luz da Constituição e de forma a dar o maior rendimento possível aos seus princípios fundamentais.
Nobres Pares, a INTENÇÃO do legislador, conforme acima demonstrado, nunca foi ultrapassar direitos e garantias fundamentais. Inclusive a interpretação constitucional foi objeto de estudo das mais famosas associações de juristas do Brasil, vejamos por exemplo o enunciado n. 48, editado pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), que anteviu um “poder geral de efetivação” outorgado aos julgadores:
O art. 139, IV, do CPC/2015 traduz um poder geral de efetivação, permitindo a aplicação de medidas atípicas para garantir o cumprimento de qualquer ordem judicial, inclusive no âmbito do cumprimento de sentença e no processo de execução baseado em títulos extrajudiciais.
Também o Fórum Permanente de Processualistas Civis se posicionou a respeito, cuidando da questão em seus enunciados n. 12 e n. 396, a dispor que as medidas atípicas somente poderiam ser consideradas subsidiariamente às típicas, observado, em todo caso, o necessário contraditório:
A aplicação das medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer obrigação no cumprimento de sentença ou execução de título executivo extrajudicial. Essas medidas, contudo, serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 489, § 1º, I e II.
De pronto cabe a afirmação a liberdade de locomoção, inserta no inciso XV do artigo 5º, que abrange o direito de deixar o território nacional, sofre embaraço indevido pela apreensão de passaporte ou pela suspensão da carteira nacional de habilitação.
Feito esse singelo destaque, admitir, com fundamento no artigo 139, inciso IV, do CPC, a apreensão de passaporte ou da carteira nacional de habilitação como atos executivos atípicos enseja violação ao direito de liberdade de locomoção (artigo 5º, incisos XV e LIV) e à dignidade da pessoa humana (artigo 1ª, inciso III).
Nesse norte, a liberdade de locomoção, como direito fundamental de primeira dimensão que inegavelmente é, demanda uma atuação negativa do Estado para sua eficácia; é direito que, na distinção das funções clássicas dos direitos fundamentais na relação entre o Estado e o particular de Georg Jellinek, se enquadra no conceito de status negativus.
É dizer: a garantia do direito de liberdade de locomoção se dá pela não intromissão do Estado em seu exercício, de forma a se impedirem ingerências, restrições e limitações indevidas.
Isso, por certo, extrapola o esvaziamento do núcleo essencial do direito de ir e vir e, em último cenário, ataca a própria dignidade do devedor (artigo 1º, III, da CF), que se vê fisicamente limitado como resultado de coerção para o cumprimento de sua obrigação.
É exatamente isso que está a se atacar: a aplicação de interpretação que possibilita retrocesso social a permitir que, à míngua do princípio da responsabilidade patrimonial, o devedor seja compelido ao adimplemento de suas obrigações às custas de sua liberdade.
Considerando tudo o que já exposto, há de prevalecer, após decisão desta Corte, posicionamento pela declaração de inconstitucionalidade, sem redução do texto, de forma a eliminar interpretações do artigo 139, inciso IV, do CPC/2015, que admitam medidas executivas indevidamente limitadoras do direito fundamento de livre locomoção, nomeadamente de apreensão de passaporte e de suspensão do direito de dirigir.
O apelidado princípio do concurso público, foi então alçado a norma de alto quilate; mais que uma imposição ao Estado, a norma, instrumentalizadora da própria isonomia, conduziu doutrinadores a situarem-na no rol dos direitos fundamentais: “o direito fundamental de concorrer, em igualdade de condições, aos cargos efetivos e empregos públicos, é decorrente do regime republicano-democrático e do princípio da igualdade”.
Em verdade, e transcendendo a isonomia, o princípio da ampla acessibilidade aos cargos públicos se prestaria, mais, a consagrar a democracia e a isonomia, também elencados no Texto Constitucional, como bem lecionado por Fabrício Motta:
O princípio constitucional da ampla acessibilidade este, com algumas variações, em todas as constituições brasileiras. A Constituição da República de 1988 inova ao estender o alcance do dito princípio para os cargos, empregos e funções públicas, na forma da lei. O princípio em referência objetiva realizar outros princípios consagrados em nosso sistema constitucional, notadamente democracia e isonomia. Também é possível vislumbrar ligação com as exigências do princípio da eficiência, neste momento entendido como a necessidade de selecionar os mais aptos para ocupar as posições em disputa e proporcionar uma atuação estatal otimizada. O princípio, pode-se adiante, comporá a base do direito fundamental de concorrer, em igualdade de condições, às posições públicas estatais.
Esse livre acesso, então, é regra a somente encontrar flexibilização por força da lei e da razoabilidade, como reforçam, aliás, os enunciados de n. 14 e de n. 683 da Súmula dessa Corte e também o enunciado n. 44 da Súmula Vinculante.
Tendo presentes todos os argumentos já alinhavados acima, naquilo que aproveitarem à presente epígrafe, calha objetar, por outro lado, também a inconstitucional interpretação do artigo 139, IV, CPC/2015, que adgbmita, a título de medidas executivas atípicas, a vedação à participação de devedores em concursos ou em licitações públicas por ofensa aos ARTIGOS 5º, II; 37, I E XXI; 173, § 3º; E 175 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
A bem da verdade, impedir que o devedor participe de certames públicos viola também o princípio da eficiência, criando-se barreira absolutamente desproporcional para o acesso aos cargos públicos e a se impedir que a Administração Pública selecione os cidadãos mais aptos para o exercício da função. A ratio decidendi do julgado acima, como muito bem destacado no voto do Min. Luiz Fux, é a de que “são inadmissíveis, porquanto inconstitucionais, restrições ofensivas aos direitos fundamentais, à proporcionalidade ou que se revelem descabidas para o pleno exercício da função pública objeto do certame”.
Aliás, a própria lógica subjacente àquela técnica inspira dúvidas, fazendo erodir qualquer remota proporcionalidade capaz de, em tese, escorá-la: uma vez empossado em cargo público, um dado cidadão inadimplente passará a auferir renda, o que lhe daria, em princípio, maiores condições de purgar sua mora e de satisfazer eventual crédito que estiver sendo objeto de ação executiva.
Decorre daí, pois, a absoluta ausência de proporcionalidade — e, mesmo, de lógica — da interpretação do dispositivo legal que ora se impugna que admite a vedação à participação em concursos públicos como ato executivo atípico.
Não discrepa o racional a orientar o tratamento do tema no que concerne também à vedação de participação em licitação, calhando anotar que os artigos 37, XXI, 173, § 3º, e 175, todos da Constituição, submetem a regência da matéria à reserva legal, sendo, assim, refratários a interpretação extensiva que insere em norma — no caso, o artigo 139, IV — restrição à participação em licitação não prevista expressamente em lei. A bem da clareza, são transcritos, abaixo, os dispositivos constitucionais a que se fez menção neste parágrafo:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)
XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. (…)
§ 3º A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade.
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Ante a todo argumento acima exposado, reitero o meu repúdio a presente decisão do STF, submetendo o presente ato aos meus pares.
Anápolis, 08 de março de 2023. .
JOÃO DA LUZ Vereador – PSC